Até à segunda metade do Sec. XX, a indústria de bens de consumo limitava-se a produzir bens e
serviços em função do interesse económico ou seja – vender muito e maximizar o lucro. Prestar
um serviço de qualidade e satisfazer o seu cliente, era irrelevante. Produzia-se sem ter em
conta as necessidades e desejos daquele que é era o propósito da sua existência.
Esta estratégia funcionava na perfeição por que o cliente tinha, na época, muito pouca ou
nenhuma alternativa, comprava aquilo que existia e não aquilo que desejava e que melhor
satisfazia as suas necessidades. Com acesso limitado à informação, menos dinheiro, menos
produtos alternativos e por consequência menos exigente, este era um mero peão neste jogo
do dinheiro. O cliente era condicionado pelas condições impostas pelos fabricantes e comerciantes.
Após o final da 2ª Guerra Mundial, com a proliferação da concorrência os consumidores,
com mais dinheiro e mais informação, passaram a ser mais exigentes, em relação aos produtos
e serviços oferecidos pelo mercado. Começaram a ter à disposição um conjunto de bens e serviços
que lhes permitia, a partir de então, escolher comprar aquilo que mais serviam os seus interesses
e não os interesses de quem produzia e vendia. Mas à medida que o mercado ia evoluindo,
diversificar já não era suficiente como estratégia de desenvolvimento de negócio e fidelização
dos clientes. Havia a necessidade de olhar para o negócio e entende-lo na perspetiva do cliente
e não na ótica do produtor. Ou seja, produzir aquilo que os clientes queriam comprar.
Não demorou muito para as marcas chegaram à conclusão que para terem sucesso nos negócios e
se diferenciarem da concorrência o negócio deveria girar à volta do cliente e que o lucro deveria
ser sempre uma consequência pela excelência do serviço prestado, tendo como finalidade a
satisfação do consumidor. Nesta fase “sua majestade” passou a ter voz, a estar no cento das
atenções. Deixou de ser um mero peão para se tornar no propósito das empresas pois dependia
deste o futuro de quem o servia.
O marketing passou a desempenhar um papel importante e fundamental no desenvolvimento do negócio
para as empresas, levando-as a um patamar superior de exigência, no que diz respeito à criatividade
e inovação de novos produtos, e serviços associados, por forma a atrair novos clientes e fidelizar
os já existentes. Hoje algumas delas são líderes de mercado nas suas áreas de negócio.
Segundo as teorias do marketing, ainda nos dias de hoje, a prioridade das empresas continua a
ser servir o cliente. Disponibilizando-lhe novas experiências, superando expectativas, ajudando-o
na melhoria da qualidade de vida, através da criação de produtos e serviços de excelência
capazes de proporcionar máxima satisfação pelos benefícios obtidos. Pelo menos é isto que se
aprende nos livros e as empresas comunicam para o seu publico.
Vamos analisá-las à luz desta adversidade: a Pandemia Covid 19.
Aproveito para adaptar ao contexto a uma citação do autor Nassim Nicholas Taleb, relatada na sua obra
O Cisne Negro: - “Se queremos saber algo acerca do sentido de ética, elegância e seriedade nos
negócios de uma empresa, temos que a observar numa situação de teste em que as circunstancias lhe
são adversas e não à luz do brilho da atividade quotidiana?”. Ou seja, é possível avaliar o
verdadeiro propósito, a conduta, a ética e os valores das empresas analisando apenas aquilo que
estas fazem na sua atividade normal? Em momentos difíceis como os que estamos a passar percebemos
o quanto uma boa parte delas jogam com os dados errados. Quando tudo corre dentro da normalidade
os clientes vivem na ilusão que são importantes para as empresas e estas se interessam por eles,
mas de facto quando o verniz estala vem ao de cima a verdadeira essência dessas organizações, que
no dia a dia está camuflada por uma camada muito fina a que lhe chamam “valores” dentro dos quais
estão incluídas: “ética e seriedade”. Facilmente caiem na cegueira total que tudo passa, que a memória
é curta e o povo esquece rapidamente. Em abono da verdade até têm alguma razão. O povo esquece com
muita facilidade.
Ao avaliar algumas empresas, perante o cenário em que vivemos, verifica-se que existe total
incongruência entre o seu comportamento e o que comunicam.
Ora vejamos como comunicam:
Quando um extraterrestre vier à terra tente explicar-lhe, pode ser que ele entenda,
por que é que aqueles que defendem que o propósito do seu negócio é prestar um serviço
de excelência, são os primeiros, perante uma adversidade a aproveitarem-se do cliente,
triplicando e quadruplicando os preços para obter o máximo lucro. Vejam o que se está
a passar com a venda de máscaras e desinfetantes, com o aumento da carne, do peixe e do
pão. Por que é que nesta altura os clientes deixaram de ser importantes? Parafraseando
Mário Cortela “a ocasião não faz o ladrão apenas o revela”.
Sabendo que as empresas são feitas de pessoas e que estas fazem parte da sociedade em geral
não passam incólume a esta análise. Evocando novamente o autor Nassim Nicholas Taleb:
“É possível avaliar o perigo que um criminoso representa analisando apenas aquilo que este
faz na sua vida normal? Muita boa gente anda por aí a vender a palavra do senhor, a
partilhar mensagens de amor e solidariedade, nas redes sociais, vão à missa ao domingo
rezar que nem uns santos, para depois passar o resto do dia que nem bárbaros. Bastou ser
decretado Estado de Emergência para em rebanho, mesmo sabendo que os bens de primeira
necessidade não iriam faltar, irem desenfreados, aos supermercados limpar das prateleiras
tudo que era comestível, álcool e papel higiénico, deixando nada para quem apenas necessitava
abastecer-se para o dia seguinte, Mais uma vez bastou estalar o verniz e eles revelaram-se.
Isto revela que não devemos ser ingénuos ao ponto de acreditar que essa gente, lá no fundo,
se interessa verdadeiramente pelos outros.
Felizmente também temos exemplos de boas praticas dentro e fora de Portugal que fazem jus
ao que comunicam. Empresas a fazer promoções de bens de primeira necessidade, durante uma
época difícil pela qual estamos a passar. Outras a oferecer gratuitamente os seus serviços
para ajudar à distancia pessoas que necessitam de apoio emocional. No mercado Inglês uma
marca abre excecionalmente as portas entre as 7h30 h e as 8h da manha para os profissionais
de saúde, que trabalham arduamente para nos manterem salvos e seguros, poderem fazer as suas
compras, e entre as 8h e as 9h para pessoas idosas e pessoas com mobilidade reduzida, etc.
E assim termino a minha reflexão com uma citação: “As pessoas não se importam com quem não
se importa com elas”
Valia a pena pensar nisto!